12 de dezembro de 2009

Quatro histórias... "Meu olhar do mundo, aqui do escuro”

0 comentários
Compreender o mundo visual de quem enxerga do escuro foi o estímulo que norteou os primeiros passos no desenvolvimento do mine documentário intitulado “Quatro histórias... Meu olhar do mundo, aqui do escuro”,

Encontrar pessoas que pudessem falar desse universo desconhecido foi o primeiro desafio encontrado, apesar das estatisticas apontarem o contrário. Só na capital baiana cerca de 450 mil pessoas convívem com a deficiência visual, de acordo com o diretor de Educação e Cultura da Associação Baiana de Cegos, Ednilsom Sacramento. Vencido este primeiro desafio, o segundo não tardou a surgir: vencer a ideia particular e pré-concebida de ter que ser politicamente correto e escolher palavras sinônimas a “cego” no trato com os deficientes visuais.

O medo de causar constrangimento, porém, teve que ser esquecido. Afinal, como não ser, não dizer, não saber exatamente o que se é? A partir daí, olhos, antes cegos pela luz do dia, pelo bombardeio de imagens, viu-se a enxergar novas possibilidades de interagir com o mundo através dos olhos de quem não vê.

2 Conhecendo o desconhecido
Ao consultar um dicionário, percebi vários significados na língua portuguesa que define o que é ser “cego”. Ser cego, portanto, significa ser alucinado; ignorante; quem não sabe discernir do bem e do mal; estúpido; entulhado; sumido, que não se conhece bem; escuro; tenebroso uffa!
Como nossa sociedade é criativa em definir as pessoas, não é mesmo?

Para Erving Goffman “A sociedade estabelece os meios de categorizar as pessoas e o total de atributos considerados como comuns e naturais para os membros de cada uma dessas categorias” (apud COSTA, 2002). Entretanto, o objetivo de construir um vídeo que falasse sobre a visão de mundo de quem não vê, foi mais presente do que qualquer preconceito bobo e ignorante.

3 O diálogo possível
- Como é se relacionar com o mundo, sem vê-lo? - Mal a pergunta havia sido feita, um arrependimento de pronto veio, como já prevendo a resposta:
- Posso não vê com os olhos, mas percebo o mundo através do meu corpo... – diálogo construído com base no relato de um deficiente visual.

3.1 O processo
O documentário, reconhecido como gênero híbrido e autoral, serviu de palco para evidenciar como é possível conviver sem a visão. De acordo com Melo (2002), assim como ocorre na matéria jornalística em realizar uma narrativa baseada em fatos, o gênero documentário busca explicar logicamente um acontecimento.

Pelo documentário ocorre um processo ativo de fabricação de valores, significados e conceitos, pois, qualquer relato é sempre resultado de um trabalho de síntese, que envolve a seleção e ordenação de informações, e tal síntese pode variar dependendo da posição ideológica, social, cultural do sujeito que enuncia (MELO, 2002).

De acordo com Bill Nichols, (2005) foi através da paixão em ultrapassar os limites do cinema e descobrir novas possibilidades e formas que surgiu o gênero que tem por missão retratar a realidade recortada por meio de um ponto de vista.

O documentário se procupou em narrar uma dada realidade recortada por meio do ponto de vista parcial de quatro pessoas e, enquadrada através da ideologia de um grupo de trabalho.

O processo de construção acadêmico se deu de 9 a 26 de novembro de 2009, onde ocorreu cerca de três encontros oficiais com os integrantes do grupo de trabalho, para o devido planejamento de tarefas a serem executadas. Neste ínterim, foi-se percebendo que só corresponder ao cargo definido no início do trabalho tornaria sua execução lacunar. Deste modo, cada participante do grupo se prontificou a desenvolver outras funções, na produção de campo, captura, direção de filmagem e fotografia, roteiro, decupagem e edição.

“Quatro Histórias... Meu olhar do mundo, aqui do escuro”, narra como diferentes pessoas, porém com a cegueira em comum, se relacionam com o mundo. Iracema Vilaronga (mestre em educação); José Márcio (professor); Indiara de Carvalho (diretora da Associação Baiana de Cegos); e Luis Arcanjo (Sanfoneiro) descrevem como perderam a visão, o que é não enxergar, e o que pensam do preconceito que a sociedade tem de quem é cego.

Correspondendo a um dos pontos característicos do documentário, houve empenho em construir polifonia de vozes advindas do registro imaterial por meio dos relatos transformados, por conseguinte, em produção filmada e, em sequência, em documento material.

Já quanto ao registro, este se baseou no in loco contemporâneo, ou seja, registro imaterial feito no lugar em que ele ocorre (ambiente de trabalho e residência dos entrevistados).

É reconhecida, por todos os integrantes do grupo de trabalho, a falta de dinamismo visual do mine Doc. A isso se justifica não devido a falta de conhecimento de necessidade de cortes mais rápidos, de uso de imagens e planos diversos, de lirismo poético que correspondesse ao tema tratado, mas ao escasso tempo para a devida edição.

4 Considerações Finais
Abordar o tema deficiência visual fomenta em quem assiste aos depoimentos retratados no mine Doc. que estar na condição de cego não sugere sentir pena ou tristeza, e sim consciência das próprias limitações e a certeza de várias possibilidades. O documentário, como gênero jornalístico de caráter híbrido e autoral cumpre importante função de mobilizador da sociedade, no sentido de expor às pessoas outro modo de ver o mundo. De acordo com Nichols (2005) foi a visão descontraída e natural do cotidiano; uma série de ações e acontecimentos sinuosa e cheia de coincidências [...], o apoio de atores inexperientes [...], a ênfase nos problemas enfrentados por pessoas comuns no momento presente e não num passado histórico ou num futuro imaginado.

Ou seja, a busca pelo que fosse fiel a realidade; tanto pela fotografia, quanto pelo caráter psicológico e emocional dos ali retratados.

Diferentemente da modalidade reportagem, cujo conteúdo se dá através de dados factuais e do momento, o gênero documentário pode ir além, ao retornar no tempo tanto para resgatar uma memória social perdida, quanto para despertar uma reflexão ainda dormente.

No tocante ao formato, o apresentado à disciplina Telejornalismo II foi o cinematográfico, entretanto existem as possibilidades televisiva e digital, segundo Penafria (apud MELO, 2002). Já no que se refere ao alcance que tal modalidade pode ter, infelizmente, para cultura brasileira, assistir a documentários ainda vem a ser raro. Além do mais, tanto a produção e distribuição de DOCs. enfrentam sérias limitações. A TV Cultura é atualmente o único canal de televisão aberto que veicula, à sua programação, documentários. As emissoras que possuem maior índice de audiência dão preferência a programas de entretenimentos direcionados à teoria funcionalista da comunicação, na qual a televisão é tida como um meio de relaxamento depois de um dia cansativo de trabalho, sem nenhum comprometimento com a educação (ZANDONADE; FAGUNDES, 2003).

Tendo como pressuposto advindo de Melo (2002), de que o documentário é um produto audiovisual construído ao longo de todo seu processo de produção, que se chega a devida conclusão de que é possível informar às pessoas, mediante posicionamento próprio, particular. Sem máscaras e dissimulações inerentes as do telejornalismo.

Segundo Fiske (apud Melo, 2002), a estrutura do telejornalismo “não é suficientemente poderosa para ditar a qual voz nós devemos prestar mais atenção” o que, consequentemente, nos faz acreditar sermos nós a escolher que posição ter das coisas. Em contrapartida, a plataforma documentário é aberta o suficiente para dar a entender seu ponto de vista mediante a construção de vozes e, principalmente, a evidência de uma tese defendida pelo documentarista, ficando a cargo de quem assiste ao seu produto final, concordar ou não com a ideologia.

ReferênciasCOSTA, Valdelúcia Alves da. Diferença, desvio, preconceito e estigma: a questão da deficiência. Disponível em: < www.bengalalegal.com/trabalho.doc> Acesso em 01/10/2009 às 19h24.

MELO, C. T. V. de. O Documentário como Gênero Audiovisual. XXV CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO. Salvador, 2002.

NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. Trad. MARTINS, Monica Saddy. 1. Ed. Campinas: Papirus, 2005.

ZANDONADE, Vanessa; FAGUNDES, Maria Cristina de Jesus. O vídeo documentário como instrumento de mobilização social. Disponível em < http://bocc.ubi.pt/pag/zandonade-vanessa-video-documentario.html> Acesso em 02/12/2009 às 22h06.

0 comentários: