6 de agosto de 2012

Arcano Zero

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O louco sem casa (R.Lira/2010)
Normalmente eles passam despercebidos por quem anda pelas ruas da cidade. Vagam nas esquinas e praças como espectros sem rosto ou história. Todavia, por mais igual ou diferente que possam parecer, cada um tem uma história para contar.

Invisíveis rostos em desfacimento1, engrossam ainda mais a estatística da pobreza urbana. Ainda em 2008, as ruas de Salvador abrigavam aproximadamente 900 pessoas, segundo informações da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social (Sedes)2. No mesmo ano, uma pesquisa feita pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (EBMSP) apontou que mais de 38% da população de rua, eram portadores de algum tipo de transtorno mental.

Muitos vagam pelas praças e avenidas populosas da cidade conformados com seu destino. Outros, agitados, olham e vêem além do que olhos comuns podem enxergar. Ao serem questionados de onde vem e para onde estão indo, fogem; se escondem porque o caminho que percorrem ainda não lhes deram todas as respostas.

A vigésima segunda carta do tarô, conhecida como Arcano Zero – O Louco, a carta sem casa, os descreve como andarilhos eternos, cujo olhar, fixo no horizonte, aguarda algo pressentido apenas.

Eles caminham livremente por todas as regiões da existência, seguidos unicamente pela figura de um cão que, ao invés de guiá-los pelas trilhas do mundo, os cerca traiçoeiramente.

Este mesmo cão, que simboliza sua consciência, parte a todo o momento para mordiscar seus calcanhares. Aí, quando mesmos se espera, o arranha as pernas.

O viajante eterno, por sua vez, não liga. Seu pensamento vaga distante. Nem se dá conta do que ocorre a sua volta. E, ao quebrar os laços com a família, segue pelas ruas e mares do mundo, na busca de uma liberdade inexistente. Porém, permanece fechado no seu próprio mundo, no fundo do seu “Eu".

Suas famílias, por sua vez, os procuram incessantemente. Tal como uma via crucis, seguem à procura dos filhos que desapareceram de casa. E quem busca o parente desaparecido após um surto, naturalmente, assume o gênero feminino. É a dona de casa, a mãe, a irmã, a cunhada, as tias, a sobrinha. São essas pessoas que se ocupam em localizar àquele que partiu, após uma crise. São elas que identificam os primeiros sinais no comportamento do futuro diagnosticado portador de transtorno mental.

Alterações do pensamento, do humor, alucinações, percepção alterada da realidade são alguns sintomas que podem trazer estigma, causar dor, silêncio, estimular vergonha, levantar incompreensão, exclusão e, por fim, fuga do ambiente familiar.

Para as mães, só existe um caminho: a necessidade de encontrar o filho desaparecido, independente dos conflitos que a doença potencializa em suas relações.

Incansáveis, elas percorrem ruas, vão aos programas de TV, aos órgãos do Poder Público, aos hospitais e necrotérios. Pedem ajuda. Os anos passam, mas a esperança permanece viva em seus corações.

Robson Souza, Andrea Santos, Samuel Francisco, Hélio de Jesus, Cecília Silva... São alguns nomes cujos rostos estão perdidos em meio ao “rio de mil braços e mar de mil caminhos” da cidade. O mesmo rio que os leva para diversas direções, os torna prisioneiros em meio às trilhas urbanas dos desaparecidos.

Atenção: proibida reprodução total ou parcial do texto acima.

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