A desintegrada estrutura familiar são um dos fatores para a
condição social de risco pelos quais mulheres são submetidas diariamente. A violência é sentida de diversas formas: física quando a agressão parte do conjuge ou do pai; profissional quando são submetidas a trabalhos não valorizados economicamente; e social quando o município se isenta em cumprir as obrigações sociais pelas quais é responsável.
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Apesar das dificuldades apontadas, algumas mulheres moradoras dos arredores do parque São Bartolomeu, subúrbio ferroviário de Salvador, mantém uma meta de vida: fugir dos estigmas e esteriótipos reforçados pela mídia e engessados pelo inconsciente coletivo da própria comunidade, como também garantir seu espaço social de forma digna e cidadã.
A brincadeira
- Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, empurra Collor que ele cai! Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, empurra Collor que ele cai! Collor vai ganhar uma passagem pra sair desse lugarNão é de carro, nem de trem, nem de aviãoé com algemas no camburão. Eta Collor ladrão! Ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, empurra Collor que ele cai!
Era 1992, o cenário político no Brasil fervilhava de escândalos. A mídia não se cansava de apontar as corrupções que assolavam toda a sociedade. Muitas vezes, as verbas que deveriam ser destinadas a saúde, educação, infra-estrutura, principalmente para os bairros periféricos, haviam sido desviadas.
Fernando Affonso Collor de Mello, o então presidente do Brasil, vivia seus últimos dias de presidenciável. Diante das denúncias de corrupção, Collor não teve outra alternativa, renunciou, numa v
ã tentativa de evitar o impeachment- processo de cassação de mandato do chefe do Poder Executivo, em países cujo o governo não seja parlamentar, em qualquer esfera, seja ela federal, estadual ou provincial, municipal ou condado- que tiraria seu direito de exercer qualquer cargo político no Brasil.
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Não foram só nas ruas de Brasília que se escutou as músicas e trocadilhos que marcaram o processo de impeachment pelo qual Fernando Collor de Mello sofreu.
No Parque São Bartolomeu, localizado no subúrbio ferroviário de Salvador, não foi diferente. Crianças e adolescentes se divertiam, de caras pintadas de verde e amarelo e “mamãe sacode” nas mãos, sem contudo, entenderem a gravidade da situação pela qual o país passava.
A sensação de segurança que outrora fora sentida através de muitas lutas pela conquista da liberdade de ir e vir, de praticar suas crenças, sem repressão, já não existia. Apesar do seu passado histórico, o Parque, que já serviu de palco dessas brincadeiras, as quais ainda eram uma das únicas atividades inocentes que possuia, com piqueniques, banhos de cachoeira, não é mais o que foi. As mulheres, moradoras dos arredores, perderam o único espaço de lazer que poderiam oferecer a seus filhos: lazer bom e barato. As crianças, então eram obrigadas a brincarem em acanhados becos, próximos de suas casas. A preocupação de que algo acontecesse faziam com que suas mães as proibissem de ir além da pequena ladeira de barro que limitava o espaço para brincar.
A Realidade
Michelle e outros colegas zombavam inocentemente do drama do presidente, sem imaginar que naquele instante tinha acontecido uma tragédia. Inesperadamente, ouviram-se gritos aflitos vindos do interior do Parque. Era Vilma, mãe solteira, que chegava desesperada, com lágrimas descendo no rosto, aos gritos na ruela onde Michelle e as outras crianças estavam:
-Mataram meu filho! Meus Deus! Mataram meu filho!A bricadeira acabou. O “fora Collor” foi deixado de lado para verem a causa da aflição daquela mulher. Seu filho, Marcos, mais conhecido como Quinho, de 16 anos, foi morto a tiros e largado como um objeto sem importância, na entrada do Parque, cenários de outras tragédias parecidas. O motivo de sua morte, até hoje, não se sabe. Era muito fácil jovens serem seduzidos pelo submundo das drogas, ou confundidos com adolescentes em situação de risco. Todos, inclusive Michelle, foram para suas casas lamentar o ocorrido.
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Sair da realidade que marginaliza e exclui não é fácil. Porém, este foi o primeiro desejo de Michelle assim que se deu conta de onde morava. Não era só um ambiente de brincadeiras inocentes. A sensação de liberdade já não existia. O medo agora não era exclusivo das mães. Ele penetrava cada célula do corpo como um imenso arrepio.Não se sabia quando ou onde ele se mostraria, mas tinha a certeza de que ele sempre estaria lá.
Parte do livro-reportagem As mulheres do Parque
Autores Rosangela Lira Suane Mendonça
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